20.2.08

Sacavém à deriva ou Sacavém afogada ?


foto obtida www.sjtalha.net, com a devida vénia




Sacavém, Cheias, o Ministro, o Presidente da Câmara, o Chefe de Gabinete, o Presidente da Junta de Freguesia e nós, não necessáriamente por esta ordem.
O Presidente da Câmara

Em http://linguadeperguntador.blogspot.com/2007/10/fatalidade.html já tinha oportunidade de me referir ao problema das cheias em Sacavém. O Sr. Presidente da Câmara teve então o comportamento político que todos vimos na televisão (especialmente, quem não estava como eu, na Praça da República a ouvi-lo de viva voz).

Desta feita, tentando corrigir a mensagem de Outubro de 2007, mas com o acento provocatório que lhe é peculiar o Sr. Presidente da Câmara já não disse que “a natureza procura sempre o seu espaço” e que quem para ali foi viver ou exercer uma actividade económica "sabia bem onde se estava a meter", disse antes tentando ter graça - e na defensiva - que "não foi a Câmara a mandar chover".


Não teve graça. O assunto é demasiado sério. A defesa também não foi boa. Porque as ordens que ele tinha de dar, não eram a um nível tão elevado, esse de mandar ou não chover. Ele teria de ter dado ordens bem mais terrenas: o Sr. Presidente da Câmara tinha de mandar resolver o problema do aterro no cimo da Rua Salvador Allende. Essa é que era a sua obrigação. Isso é que se esperava dele. Não magia ou transcendência. Não está eleito para feiticeiro da tribo ou presdigitador.


Recordo o que afirmei no meu anterior escrito de Outubro de 2007 já citado: "Estive lá e vi. As terras que encheram de lamas a Praça da República que atulharam as condutas até ao rebentamento, que fizeram jorrar as sarjetas, eram de um amarelo fresco e luminoso, como as do aterro da Rua Salvador Allende. Só podiam ter aquela origem."


Desgraçadamente
, como eu também avisava, a situação repetiu-se. Repetiu-se mais grave. E sempre que a quantidade de precipitação e outros factores propiciadores se agravarem e ocorrerem conjugados vai passar-se idêntica situação e mais grave.


O Sr. Presidente da Câmara, o Sr. Vereador do Urbanismo e o Sr. Presidente da Junta de Freguesia foram avisados. Por muitos e até pela natureza. Assobiaram para o lado e ignoraram os avisos. Quiseram acreditar que era a maléfica oposição a querer criar-lhes dificuldades e apenas isso.


A resposta à insensatez, à insensibilidade a roçar a irresponsabilidade, aí está!


Se o Sr. Presidente da Câmara não consegue mandar chover, a oposição também não. Portanto, o aviso é sério e até vem duma entidade verdadeiramente independente... o "reino dos céus."

A propósito ainda das declarações do Presidente da Câmara de Loures e das suas comparações entre Fevereiro de 2008 e Novembro de 1983, ao que consegui apurar, os valores apontam para 36 L/m2 agora, e 54 L/m2 em 1983.

Ou seja, a comparação não serve a tese do Sr. Presidente. Em 1983 choveu muito mais. Não valem a pena as tentativas de nos borrifar os olhos.




O Ministro

O Ministro Nunes Correia é, quase sempre, um ilustre desaparecido deste governo, mas de vez em quando aparece para fazer mal ou dizer mal. Desta vez, foi para cometer uma grosseira gaffe política e técnica.


Desastrada intervenção política, porque num momento de crise, mais do que procurar alijar responsabilidades, um ministro tem de se mostrar - e ser, de facto - solidário, cooperante, disponível. Que se saiba, não foi a nenhum dos locais críticos, não ajudou a nada, "borrou a pintura" e voltou a desaparecer, simplesmente...


Disparate técnico - inacreditável num académico com os seus pergaminhos - ao atirar a responsabilidade dos acontecimentos para o "fim da linha", ou seja, para os autarcas e para a limpeza das sarjetas. O Ministro sabe bem que a essência do problema não são as sarjetas e que os autarcas já fazem muito para que a coisa não seja ainda pior.


Não que façam tudo, mas fazem muito (embora muitas vezes não seja o certo). Em contrapartida, o INAG que depende do Ministro é que faz muito pouco do que deveria fazer.


Obrigo-me pois, neste particular, a uma palavra de solidariedade e concordância com o Presidente da Câmara de Loures e acrescento: Sr. Ministro, quando não tiver nada de útil e construtivo para dizer, por favor, poupe-nos às suas opiniões, que não são jurídica, técnica e politicamente capazes.


Ao Sr. Ministro e ao Governo faço desde já um desafio: Determine-se um estudo de impacto hidrodinâmico, para todos os projectos e intervenções urbanísticas significativas, que ajude a perceber o que vai acontecer nas bacias hidrográficas a seguir, quando se impermeabilizam solos na dimensão em que tal está a ocorrer, onde vão exercer pressão os sistemas de drenagem, como se devem calibrar os sistemas, etc. etc.


O Vereador do Urbanismo


Considero que é o principal responsável pela intensificação urbanística em curso no Concelho de Loures. Não discuto agora as orientações urbanísticas que estão a ser prosseguidas, mas faço-lhe também um desafio: passe a pedir um parecer ao Serviço Municipal de Protecção Civil, antes de autorizar novas construções, novas estradas e rotundas, a alteração de curso de linhas de água, etc. Tenha a coragem de o fazer e de não o manipular.


Já agora, conviria que se aferissem devidamente a qualidade e capacidade de drenagem das intervenções viárias que vão sendo feitas. Determine uma fiscalização a sério na via Bobadela- Sacavém, nas novas rotundas de Loures e - ainda a tempo - na Avenida Estado da Índia em Sacavém, como meros exemplos. Evito falar do Infantado, porque sei que não tem solução.


Concluirá certamente, como nos vamos podendo aperceber, que mal caiam 3 gotas de água, temos um empoçamento, mal caiam 36 litros/m2, teremos inundação. E Sr. Vereador, não podem os projectistas, as empresas construtoras e os promotores imobiliários deixarem as coisas neste estado e depois sermos todos nós a pagar as consequências e a lamentar que tenha chovido. Este caminho não pode continuar a ser trilhado: uns ficam com o lucro e os dos costume com os prejuízos.


O Chefe de Gabinete


Ficou, a par do Sr. Ministro e do Sr. Presidente da Câmara de Loures, no pódio dos mal-amados das cheias 2007-2008.

Tentou aproveitar o programa de Maria Elisa Domingues, na RTP 1, para prestar um bom serviço propagandístico ao seu Presidente da Câmara, mas a coisa não correu nada bem.

Antes de mais, porque nem os técnicos especialistas na matéria dão garantias absolutas - como ele fez - de que nunca mais haverão cheias com esta ou aquela obra. O bom senso avisa que qualquer pequena alteração de circunstâncias, muda as variáveis e pode subverter qualquer previsão, por muito científica que seja. Ora, António Baldo, nem é mister daquele ofício.

Em segundo lugar, teve o azar de poucas horas depois, Loures ter ficado debaixo de água. Pouco interessará agora se as oficinas municipais se encheram de água ou não. A ideia geral é que tudo se encheu de água, portanto, resulta irrelevante se o sítio tal ou tal ficou mais ou menos molhado que antes.

Também me alertaram para o facto de que as viaturas não ficaram afogadas, mas ficaram inoperativas, porque não podiam sair das oficinas para acudir onde era preciso. Assim, a nova ponte é completamente irrelevante, como fica demonstrado.

Pode pois dizer-se, como alguém com alguma graça me referiu: "perdeu uma excelente oportunidade de não meter água", se tivesse estado calado.

O Presidente da Junta de Freguesia de Sacavém

Dizem-me que se esforçou por avisar os comerciantes e moradores da baixa de Sacavém de que o perigo vinha aí. Se assim é, honra lhe seja feita, mas simultâneamente não pode deixar de ser verberado o mais possível porque tem sido conivente com muitas das mais lamentáveis práticas da gestão municipal:

1. A intensificação urbanística avulsa e caótica de Sacavém. A Cidade precisa de ser Cidade a sério, não esta coisa indefinível, deprimida e irrespirável em que se está a tornar;

2. A falta de investimentos pelos SMAS - a quem, se fosse uma empresa comum, já teria sido decretada falência - que estando à míngua, por muitos prédios e urbanizações que se façam, vão manter os mesmos sistemas de drenagem, já que não têm dinheiro para fazer outros. Isto significa mais água e mais depressa a chegar à baixa de Sacavém, com as conhecidas consequências;

3. O criminoso aterro na Rua Salvador Allende sobre o qual não se ouve o Sr. Presidente da Junta dizer uma única palavra, nem tomar qualquer medida para que a situação seja corrigida. Ele cala, mas está suficientemente avisado. Se voltar a chover com força, voltarão as cheias a Sacavém, inevitavelmente;

4. O estaleiro de obras com já 3 anos em que se está transformada a Avenida Estado da Índia, com todas as consequências a juzante com entupimentos e interrupção de sistemas de drenagem e arrastamento de lamas.

Os seus silêncios, cumplicidades e apoio a esta gestão municipal, a par da sua incapacidade de perspectivar ou conduzir a Cidade, vão deixar uma pesada e indigestível herança.

Deixo aqui um desafio sério e leal ao Sr. Presidente da Junta. Caso esteja disposto a redimir-se neste domínio (o resto já não tem salvação), a fazer mesmo alguma coisa para resolver o problema das cheias em Sacavém, a minorar as suas consequências, evitar os prejuízos aos moradores e comerciantes da zona baixa, a poupar os recursos da Junta de Freguesia e os equipamentos públicos, promova as diligências necessárias para ouvir, sublinho, ouvir, quem pode dar contributos sérios para se fazer o caminho contrário ao que está a ser prosseguido, com os resultados que se vêem.

E nós...

Somos sempre o fim da linha: não nos ouvem e não nos consultam, não querem saber dos prejuízos, nem dos aborrecimentos, não estão na vida política para melhorarem a vida colectiva nem a Cidade. Querem-nos a pagar e contentinhos... (já agora, se possível, agradecidos. Pois, importa lembrar que o Sr. Presidente da Câmara não mandou chover. Dado o tom em que o disse, aposto que acha que temos de lhe agradecer por isso...) aconteça o que acontecer!

Quer-me cá parecer que seria tempo de acabar com a apatia, deixar de engolir todas as desconsiderações, fazer por ignorar todas as lérias, evitar pagar todas as contas sem nada reclamar (ou apenas em surdina). Quer-me parecer que é já tempo...

Sacavém, não vai já apenas à deriva, Sacavém está afogada num lamaçal de incompetência, incapacidade, demagogia e falta de amor à terra. Desejo firmemente que não seja mais nada.

Os cogumelos despontam por "geração espontânea". As urbanizações também ?

E desconfio que a coisa não vai ficar por aqui. Há nuvens muito pesadas no horizonte! Muitas cheias para vir...


1.2.08

Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar!



Após alguns anos de ausência, voltei esta semana a assistir a uma sessão da Assembleia Municipal de Loures. Em casa nova (para mim) e, com muito boas condições de trabalho para os agora ditos “deputados municipais”, não pude deixar de constatar que ao novo e confortável espaço, não corresponde nada de novo na forma de estar, de desenvolver a acção política, de conduta pessoal, pelos menos para alguns dos políticos locais que vi e ouvi tomarem a palavra na reunião.

Havia problemas para resolver. Concretos, implicando com a vida quotidiana das pessoas. Bulindo com o nosso bem estar. Mas que é que isso interessa ?!... Esvoaçam por ali outras motivações, outros propósitos, outros objectivos.

Pelo que vi e ouvi, não resisto em citar o poeta:

Ó Felisbela, ó Felismina
ó Adelaide, ó Amelinha
ó Maria Berta, ó Zulmirinha
vamos cantar o coro das velhas?
Cá se vai andando
c'o a cabeça entre as orelhas

Apesar disso, espantaram-me algumas coisas que parecem configurar uma perda consistente de qualidade, honorabilidade e dignidade políticas dos eleitos. Sublinho bem políticas, não vá haver confusão nalguma mente turbulenta (ou apenas lenta) entre apreciação política e pessoal. Diria que quase faz lembrar aquele conhecido e tipificado fenómeno do futebol em que o indivíduo, geralmente modesto, pacato e ponderado, se transforma, no meio da sua “tribo”, num verdadeiro “guerreiro” do impropério, do insulto e do disparate, quando não mesmo da violência (ler Desmond Morris e Norbert Elias, por exemplo), a propósito de uma bola que rola para um lado e para outro… e pouco mais.

Mas o que se pode salientar da desnobre sessão a que assisti ?

Um recorrente despautério do Presidente da Câmara quando foi chamado a usar da palavra. Sobre nada falou objectivamente. Gastou a maior parte do tempo a provocar quem se lhe opõe ou que ele imagina que se lhe opõe. Aqui, incluído o público que assistia, como era o meu caso. A todos, sem propósito nem respeito, sugeriu não passarem de mentecaptos “arregimentados” pela oposição para o contrariar. Lamentável e sintomático. Como uma fera que sente o cerco. Dos outros e dos seus.

Um Sr. Presidente da Junta, cujas verbalizações, acusações indemonstradas a outros “deputados", arrogância ignorante e intolerância, só me traziam à memória o impagável presidente de Vila Nova da Rabona;

A bancada da maioria, arrumada em semi-circulo e em socalcos (por circunstâncias da disposição da sala e do mobiliário), como uma espécie de “coro do silêncio”, um “coro descorado”, onde só 2 solistas se fizeram ouvir: o já referenciado presidente, que poderia ser de Vila Nova da Rabona mas não é e, o “jovem turco”, líder da bancada, ufano na sua dislipidemia política. O coro está afinado, ninguém dessintoniza, mas no silêncio, na obediência e na disciplina de ocasião. Estratégias de sobrevivência, como as dos pinguins no Pólo Sul, que se aglomeram e voltam as costas ao vento ?

Chamou a atenção a sepulcral bancada laranja sem líder. Quando o dito de repente desapareceu, um tumular silêncio caiu sobre aquela zona da sala. Alguém, maliciosamente, sussurrou ao meu lado: “se já nem conseguem ouvir o que se passa, como hão-de ter alguma coisa para dizer ?” Mas não se enganaram a votar. Induz-nos a pensar que se trata de um complemento de vozes maduras, a engrossar o silêncio do coro da maioria. Vislumbra-se ali um bloco central de interesses, mudos, subentendidos, dependentes, mas presentes.

Na reacção epidérmica às provocações constantes do Presidente da Câmara, notou-se o desconforto, perturbação e ausência de confiança e segurança de alguns “deputados”. Houve até, quem inconscientemente, fornecesse ao adversário todo o arsenal bélico com que foi depois bombardeado.

Enfim, não poderei dizer que fiquei desapontado ou surpreendido com aquilo a que assisti. Apenas não trataram o que deviam da forma que deviam. O que era substancial, foi embrulhado em folclore político-partidário e siga o baile...
Definitivamente, alguns tomam-nos por tolos e outros, por vício de processos e reverencia partidária, deixam-se embalar na barganha e caír na armadilha, por isso não me resta a menor dúvida que o mapa eleitoral do Concelho de Loures seria completamente diferente daquele que é hoje se nós, eleitores, estivéssemos mais presentes, assistíssemos mais vezes e participássemos na vida política e colectiva do nosso Concelho.

Que me seja permitido pois o convite e o desafio. Compareçamos nas sessões da Assembleia Municipal. Façamos todos política. Não a deixemos à mercê de quem a queira apanhar e fazer dela a sua passarola voadora.

Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar.