30.11.11

Revista fora do carreiro


A Seara Nova está a celebrar 90 anos. A revista está rejuvenescida, com a qualidade de sempre.

O facto merece empenhada referência em fora do carreiro, pelos 90 anos, pela qualidade, pela linha de rumo e objectivos, pela preservação e desenvolvimento do espírito seareiro, pela pluralidade e profundidade de análise dos seus colaboradores, pelas magníficas capas e ilustrações disponibilizadas por alguns dos melhores artistas portugueses.

Por tudo isto, mas também porque é uma revista fora do carreiro. Fora do carreiro da imensidão de papel colorido que enche as bancas de jornais e revistas, que se entusiasmam em torno de fofocas ridículas ou, títulos, tidos como de referencia, mas cujas principais referencias que têm hoje é o mau português, péssimo jornalismo e reprodução acrítica dos press releases das agências internacionais, que produzem, calibram, dão lustro, embrulham e servem em ambiente controlado, noticias para consumo fácil e dócil.

A Seara Nova, nos seus 90 anos é uma lição de vida, liberdade e democracia. Que merece ser visitada ou revisitada, conforme não se conheça ou já se conheça.

Convictamente, convido em qualquer dos casos.

A minha homenagem e entusiástica adesão. Venha a próxima edição que da última já se sentem saudades.

2.10.11

Privatizações: deixem-me lá ver se percebo


O PS + PSD + CDS assinaram o famigerado memorando com a troika estrangeira, que prevê, a dado passo, a privatização completa de um conjunto de empresas em que o Estado português tem participações. Essas participações, vão dos 100% na Caixa Geral de Depósitos a apenas 8% na GALP.

Escolhi algumas de entre as explicitamente referenciadas (embora estejam mais na calha) para perceber, afinal que prejuízo elas dão ao Estado e aos portugueses e para entender a razão última pela qual nos devemos "ver livres" delas rapidamente.

Retirei a TAP e a CP Carga, por estarem sujeitas a um conjunto de factores exógenos (preço dos combustíveis e outros) que podem tornar a sua manutenção na esfera pública controversa, ainda que uma perspectiva séria de desenvolvimento para o país (designadamente as exportações de que tanto falam), as tornem indispensáveis nas mãos dos portugueses e não de apenas alguns portugueses ou mesmo de estrangeiros.

Veja-se então quais são as outras, bem como os lucros, sublinho lucros, que apresentaram no primeiro semestre de 2011. Sublinho, 1º semestre de 2011:

Empresa
Lucro
(Milhões de Euros)
Participação do Estado
Dividendos para o Estado Português
(Milhões de Euros)
 ANA - Aeroportos de Portugal
28,9
100 %
28,9
GALP
111
8%
8,9
EDP
609
25,73 %
156,7
REN
68,3
51,08 %
34,9
CTT
34,2
100%
34,2
Caixa Seguros: Fidelidade Mundial, Império Bonança, Multicare, Cares e Via Directa
35,5
100%
35,5
TOTAL
886,9

299,1

Ora, conclui-se então que num semestre apenas, do critico ano de 2011, o conjunto destas empresas públicas, geraram lucros no montante de 886,9 milhões de euros.

Esta interessante cifra de lucros, proporcionou aos Estado português, dividendos no montante de 299,1 milhões de euros.

Se se admitir que o ano de 2011 terá um segundo semestre mais difícil em resultado das políticas recessivas impostas pela troika estrangeira e caninamente seguidas pela troika portuguesa e, que, os lucros do segundo semestre serão inferiores em 20% em relação ao primeiro semestre, teremos então menos 59,8 milhões de euros de lucros na segunda metade do ano, nestas empresas.

Daí resultará então um lucro anual de 299,1 (primeiro semestre) + 239,3 (segundo semestre), = 538,4 milhões de euros.

Note-se, portanto, que em ano de fortes atribulações e poderosas tropelias feitas ao nosso país, apenas 6 empresas de sectores estratégicos da economia, nalgumas das quais o Estado tem participações quase simbólicas, geram-se dividendos para a economia nacional no valor de quase 540 milhões de euros.

Pergunto-me então porque razão nos devemos desfazer destas empresas ?

Estas empresas prejudicam os portugueses e a economia nacional ?

Ou estas empresas são ainda e apesar de todos os boys dos partidos da troika portuguesa que por lá têm passado e malfeitorias que lhes têm feito, sinal de dignidade, capacidade, independência e oportunidade para o futuro ?

Imagine-se que estas 6 empresas teriam capital integralmente do Estado português. Então, os dividendos a reverter para os portugueses seria de mais de 1,5 mil milhões de euros num só ano.

Haverá por aí algum João Duque, algum Luis Delgado ou fauna semelhante que me consiga convencer que é bom para mim, para os portugueses e para Portugal privatizar estas empresas ?

Se o fizermos, comparamo-nos ao tolo da galinha dos ovos de ouro, mas em pior, porque não matamos a galinha como na fábula, mas entregamo-la a escroques para que fiquem com ela e com os ovos. Vai-se-nos o lucro e a dignidade. Ficamos com a humilhação e o vexame!

Isto, como bem se vê, não é "emagrecer o Estado" (seja lá o que for este slogan assassino), mas antes empobrecer o país e cada um de nós.

Expliquem-me lá, as troikas fazem o mal e a caramunha e, nós, patetas, achamos bem e ainda batemos palmas ?!...

Expliquem-me lá, em benefício de quem se pretende as privatizações das nossas melhores empresas ?

Porque não estão na lista das troikas aquelas que dão efectivo e comprovado prejuízo ?

Expliquem-me lá, para ver se eu percebo.

Só posso concluir que a razão pela qual nos aconselham e exigem a privatização destas empresas é porque elas dão muito lucro.

As que dão prejuízo, azar, essas sim, que fiquemos nós, tugas palermas, com elas. Que lhes paguemos as dívidas e se um dia forem lucrativas, logo se fará um novo "memorando de entendimento" entre troikas para as privatizar também.

Se bem percebo, as troikas não estão no poder para nos conceder o poder de decidirmos das nossas vidas, sermos soberanos e escolhermos os caminhos do desenvolvimento. São a raposa que entra no galinheiro. Vão os ovos de ouro primeiro, mas logo irão todos os outros também.

Desta maneira, até para comer, seremos em breve os mendigos da Europa.

20.6.11

A sedimentação da crise



Cada vez mais, estou convencido que a dita “crise financeira” não é um acontecimento ocasional, fortuito e inesperado.

Pelo contrário, o que se me oferece ver é um plano estudado, preparado e posto em marcha, com emergência, mas com rigor e frieza estratégica.

Este plano terá provavelmente como detonador o processo de emancipação dos povos da América latina que, um após outro, se vieram libertando das ferozes ditaduras que os subjugaram, oprimiram e exploraram durante décadas.

A liberdade, vontade própria e novos rumos adoptados pelos povos na Argentina, Brasil, Venezuela, Bolívia, Nicarágua, Paraguai, Chile, Honduras, Equador, El Salvador, independentemente das diferenças entre si, terão constituído um ruidoso sinal de alarme para o capitalismo mundial.

O alargamento em “mancha de óleo” deste processo libertador e emancipador, associado à expressão eleitoral que levou à vitória Barack Obama nos Estados Unidos - que entretanto já se mostrou domesticado e devidamente “orientado” - provocou um susto no meio da finança internacional.

Assegurar uma crescente taxa de lucro requeria procurar interromper urgentemente tal processo, cujos efeitos de contaminação pelo exemplo, se estavam a tornar altamente prováveis e perigosos.

A opção de desencadear uma guerra, habitual nestas circunstâncias, era problemática, pelo que decorria das agressões levadas a cabo pela mão de Bush Jr. no Iraque e no Afeganistão que conduziram os EUA para novos becos militares sem saída e do que dessas situações resulta na “opinião publica” interna americana.

Fazê-lo na América Latina num tempo de generalizada mobilização popular, de profundas mudanças políticas e sociais e à porta de casa seria um problema de consequências imprevisíveis, logo uma aventura a evitar.

A Colômbia ainda foi palco de ensaios nas provocações à Venezuela, mas a imediata condenação de tais manobras pelos países da região e a firmeza inteligente dos venezuelanos, travaram a manobra.

A solução alternativa à guerra (embora a opção guerra esteja também bem presente, como se pode ver com a agressão militarista à Líbia, para já, mas com a Síria também como forte hipótese de ser alvo de ataques) teria de ser uma crise, que poderia ser financeira e/ou (ainda pode) alimentar.

A crise financeira servia e serve melhor, para já, os propósitos do capital, porque a crise alimentar fica resguardada como a “bomba atómica”, a solução final, para se for necessário assegurar uma subjugação adicional de quem não acate facilmente.

E o que pretendem eles afinal ?

Do meu ponto de vista, muito simplesmente garantir ou acelerar o ritmo de crescimento da taxa de lucro, o que não é possível se se verificar um mínimo de justiça e equilíbrio na repartição entre trabalho e capital, do produto do trabalho e dos investimentos.

Os lucros apropriados pelo capital só podem crescer ao ritmo que têm crescido, se forem “roubados” ao factor trabalho, porque nenhuma economia pode crescer indefinidamente e proporcionar por essa via a satisfação da avidez capitalista.

Então a “crise financeira” tem aqui o papel essencial de promover um largo desemprego e as condições objectivas para ir obter aos salários e direitos sociais dos trabalhadores, novas margens de lucro.

Complementarmente, a privatização generalizada de todos os serviços públicos onde se espreita margem de lucro, constitui outro pilar desta sinistra intervenção global do capitalismo.

Pela via da privatização dos serviços públicos e, sobretudo dos serviços públicos essenciais, garantem-se dois objectivos essenciais. Um, imediato, de lucros acrescidos. Outro, de longo prazo, que é o de tornar reféns países e povos.

A água, a saúde, a educação, são apenas alguns exemplos das alavancas que alguns (muito poucos) indivíduos podem dispor para dominar, chantagear e submeter a seu belo prazer quem entenderem.

A água, bem comum por excelência e vital para a sobrevivência no planeta, poderá ser comercializada pelo preço que entenderem, com a taxa de lucro que desejarem ou simplesmente cortado o seu fornecimento. Que poder sem limites isso proporciona ?

Aqui um parêntesis para uma palavra para os italianos que em referendo derrotaram o propósito de Berlusconi em generalizar a privatização da água. É uma excelente notícia para a Europa e para o mundo. Note-se e sublinhe-se que o tema foi submetido a referendo. Em Portugal a privatização da água anda a ser feita pela calada há anos… Parêntesis fechado.

Veja-se, pelas receitas do FMI, na Grécia, Irlanda e Portugal se é ou não este plano que está a ser meticulosamente aplicado. Com o caso da Grécia é já bem patente, a estória “do médico e da carraça”.

A “ajuda” externa implantou a carraça e, perversamente, o FMI, suposto médico nesta estória, já não quer apenas que o doente regresse às consultas, mas que o doente pague as consultas a preços proibitivos e consuma mais e mais medicamentos, com que os quais o médico lucra também por os prescrever. Enquanto o doente não mudar de médico…

A Grécia, já se sabe, vai tomar mais uma dose do mesmo, com carraça dentro.

Mas perguntar-se-á, na Europa ? na velha e democrática Europa ? Faz algum sentido ?!...

Creio que se pode dizer que faz todo o sentido:
• Exactamente por ser “velha” e ter as mais “antigas tradições democráticas”;
• Por quase todos os seus países terem sido potências invasoras e colonialistas;
• A classe política dirigente actual da União Europeia é maioritariamente de direita, fraca, corrupta, sem projecto próprio e, logo, disponível para ser orientada e conduzida pelos poderosos, cujos interesses representam;

Vivemos hoje, europeus, a ilusão de que o nosso bem-estar (comparado com outras partes do mundo) é uma dádiva, uma dádiva solidária e simpática da economia de mercado.

Não sei se estamos a observar que é de uma Europa enfraquecida de valores, errática no rumo, subserviente com o poder económico-financeiro, corrupta na política, desgovernada na coesão, cobarde na solidariedade, traiçoeira nas relações externas, petulante nas relações internas, sobranceira nas relações económicas, que estamos a falar;

A “tradição democrática” da Europa está transformada num imenso embuste. Apesar das eleições que se realizam regularmente, é crescente o número de europeus que se sentem excluídos do sistema dito “democrático”. São tantos os condicionalismos, são tantas as frustrações, são tantas as desilusões, que se abdica mais e mais da participação, dos direitos e da cidadania;

Como bem se sabe, o voto não é, na maior parte dos casos, exercido em função de programas eleitorais, em função de projectos de desenvolvimento, em função de desígnios nacionais ou europeus, mas tão só em função de ridículas agendas partido-mediáticas, de detalhes de conduta pessoal de candidatos e de outras miudezas irrelevantes. "Rapazes, é sorrir e acenar, sorrir e acenar...";

Os europeus estão – e deixam-se estar – sitiados pelo temor que deliberadamente lhes é incutido, pelos inúmeros agentes políticos que desempenham esse papel permanente, quer entre a classe política, quer na parafernália mediática, que repetem em todas as ocasiões e até à exaustão as 3 principais teses do medo:
• A tese de que a democracia é só uma, esta, desta maneira e mais nenhuma. Sem “esta” democracia tudo seria bem pior;
• A tese de que o actual sistema económico é o único a que podemos e devemos aspirar. Qualquer outra opção ou novo caminho seria bem pior;
• A tese de que é nossa obrigação combater ferozmente e esmagar quem quer que seja que não acate o modelo “democrático” e “económico” dominante. Não o fazer é bem pior, porque porá em causa o “nosso modo de vida”;

Mas globalmente os europeus têm estado – e deixam-se estar – numa “zona de conforto”, cada vez mais aparente, da sua suposta superioridade institucional, política, tecnológica, civilizacional.

Talvez se imaginem, como continuando a dispor de todos de todos os meios e recursos que o colonialismo e o neo-colonialismo lhes têm proporcionado ao longo de séculos, mas tudo indica que esse ciclo virtuoso – para quem explora – está a terminar. E o estertor da Europa colonial está a intensificar-se fortemente e vai, inevitavelmente, significar o último suspiro desta forma de ser Europa.

Certo, certo, como se pode ver quotidianamente, é que os detentores do capital geraram a crise e tudo farão para a aproveitar ao máximo. Estão a fazê-lo e aceleradamente, porque sentem que é uma oportunidade histórica sem precedentes. E como os pit-bull, morderam o naco e não o largam a menos que sejam obrigados.

Como não estão reunidas ainda forças suficientes de reacção a esta ofensiva sem paralelo, a crise será prolongada por todo o tempo possível, para assegurar todos os lucros que forem capazes de extrair do colapso social europeu.

Os países apanhados na engrenagem, e se a revolta séria não tiver lugar em cada lugar, podem contar já com décadas de dependência e sacrifícios inimagináveis para o Séc. XXI.

Digo décadas assumidamente, porque, é quase certo que ninguém vai conseguir pagar as dívidas externas nos montantes, prazos, juros e consequências sociais e económicas que os planos do FMI & Cª significam. Logo, quem percorrer tais caminhos fica indefinidamente refém.

Pensada e meticulosamente desenvolvida, a crise vai, como não podia deixar de ser, sedimentar-se.

Evidentemente, está nas mãos dos povos, libertarmo-nos da canga ou carregar com ela, por gerações.

Mas se acharmos que quem nos trouxe a crise e para a crise nos vai resolver o problema, podemos começar a pôr as grilhetas nos pés, porque uma "nova escravatura" se nos vai apresentar.

19.6.11

A intermitência da minha morte… política

I.
Por razões que desconheço, o meu Partido, no já longínquo ano de 2003, decidiu engavetar-me, apagar-me das fotografias oficiais e excluir-me da actividade partidária;

II.
Nenhuma diligência minha para aclarar os fundamentos dessa medida político-administrativa – nem mesmo uma carta ao secretário-geral, que nunca teve resposta (ou será que teve ?!...) – teve correspondência.
Nenhuma disponibilidade insistentemente manifestada junto de diversos organismos e organizações, junto de militantes e dirigentes, teve qualquer eco ou manifestação de interesse efectivo. Aqui e além, apenas e só, palavras de circunstância ou envergonhada benevolência;

III.
Verifiquei e consciencializei muito rapidamente que nem aqueles que me viram “nascer” e acompanharam anos a fio, nem os amigos de outras lides que se cruzaram comigo nestas, se dispunham a qualquer solidariedade, a qualquer camaradagem, a qualquer atitude de esclarecimento ou de mero respeito estatutário. A “fawta” estava lançada e a fazer o seu caminho, simplesmente;

IV.
Estava clara a estratégia dos infelizes dirigentes partidários em me empacotar sob o mais espesso silêncio e nevoeiro de que fossem capazes, sub-repticiamente, à revelia do debate democrático, em contravenção com os estatutos e ao arrepio de qualquer decisão colectiva que passam a vida a incensar publicamente;

Não foi difícil criar o ambiente interno para cumprir tal desiderato. Bastou conquistar para a cabala os que estão sempre prontos em nome dos “interesses do Partido” (assim, uma espécie de superiores e secretos interesses partidários, que se furtam à discussão colectiva, à análise crítica, á inteligência militante. Nunca ninguém sabe de onde vêm essas supremas e classificadas “orientações”, quem as estabeleceu e quem deu ordem para serem aplicadas), dizia eu que estão sempre prontos em nome dos “interesses do Partido”, em executar diligentemente essas perversas missões, normalmente de tentativa de descredibilização pessoal, por incapacidade total de desempenho de acção política similar;

E assim foi feito e todos (na verdade, nem todos, mas uma imensa maioria) assumiram a revolucionária tarefa e impuseram-se um opaco silêncio, fazendo jus à tão em voga mistura entre análise e comunicação política e ditados populares. Algo, talvez orientado pelo formoso dito: “quem não aparece, esquece”;

V.
Se é certo que objectivamente o propósito terá sido alcançado, ou seja, as organizações e os membros do Partido assumiram a “orientação” de me isolar, apagar e excluir e, militantemente e disciplinadamente, fizeram-no;

Percebia-se (e percebe-se)o desejo de que saia, para me colarem a outros partidos, a movimentos, a pessoas que do seu estreito ponto de vista são pouco recomendáveis. E aí teriam o seu momento de glória e demonstração: “Estão a ver ?!... Nós não dizíamos que era mais um contra o Partido ? Mais um que queria destruir o Partido ? Mais um, como outros – e lá viriam os nomes do costume, que partilharam a gamela dirigente e trocaram os amanhãs que cantam pelos hoje que tilintam – que estava a caminho do outro lado ?!...”

VI.
Contudo, a coisa não conseguiu ser completamente bem sucedida e ficaram com um problema entre mãos. Embora na gaveta, o cadáver ainda mexe, ninguém tem coragem de lhe passar a certidão de óbito e de o enterrar. A morte ficou, e está, encalhada, como no romance de Saramago, as Intermitências da Morte;
Nem há coragem revolucionária para matar o perigoso defunto, nem humildade ideológica para espreitar para dentro da gaveta. Falta a capacidade política de lidar com a questão;

Assinala Saramago no seu romance com a sua reconhecida perspicácia que “são estes os perigos dos automatismos das práticas, da rotina embaladora, da práxis cansada”
E assim, cá espero, como o violoncelista, a carta de cor violeta;

VII.
As primeiras VI notas foram redigidas antes das eleições legislativas antecipadas de 5 de Junho, esta VII, está a ser redigida depois, para reflectir com alguma pertinência e actualidade a representação eleitoral, embora não esperasse grandes surpresas dos resultados do PCP;

Pode a direcção partidária estar satisfeita, embora por razões completamente circunstanciais: a CDU elegeu mais um deputado e subiu, uns pós, percentualmente. Não sei se será motivo de preocupação ou não, mas voltou a perder votos;

Desta vez não é preciso afirmar qualquer vitória a partir da derrota, porque os jornalistas e os comentadores políticos encarregaram-se disso;

VIII.
Concluir-se-á, portanto, que o PCP tem razão em actuar como actua. Embora, uma vez mais com menos votos, se consiga o milagre do “crescimento”;

Uma boa escolha dos “factos” que interessam resulta numa acrescida legitimidade à orientação política e à conduta geral, interna e externa;

Logo, aqueles que pensam que a um Partido Comunista, cabe fazer mais, melhor e diferente, só perturbariam – e quem sabe, comprometeriam – os sucessos alcançados;

IX.
Todos estes anos fora da actividade partidária, por um lado, confortaram-me e acomodaram-me, por outro, incomodaram-me e agitam-me. Não explicarei agora a adjectivação;

O que tenho como certo e provado é que o país não está melhor, o Partido não tem mais votos, nem maior intervenção na sociedade portuguesa e são já muito poucas, as referências de que me posso orgulhar de partilhar e quase inexistentes as passíveis de adoptar;

X.
Vou-me embora ? Não vou.

XI.
Mas sou comunista e, logo, conquisto a minha própria liberdade, para além da liberdade colectiva pela qual luto. Sinto-me suficiente lúcido e capaz de escolher caminhos;

XII.
O Partido é um instrumento, mas não é o único meio de intervenção possível. Novas possibilidades se oferecem e eu não espero mais.

15.5.11

"Eles" continuam a leste...

O "eles" do título é assumidamente dirigido à classe política. Bem sei que em Portugal temos esta mania desresponsabilizadora de atirar com um "eles" indefenido, incolor e inodoro para tudo e mais qualquer coisa, como forma de alijar responsabilidades e atribui-las a uma entidade não determinada, sem que tenhamos de assumir a acusação ou reclamação.

Não é aqui o caso, já que acusamos, assumindo a acusação, que os candidatos a deputado às próximas eleições de 5 de Junho de 2011 e os partidos políticos que representam, se mostram a leste (também de poderia indicar qualquer outro ponto cardeal...) dos verdadeiros problemas estruturais do país, logo, estão também muito longe de os poder (ou querer) resolver.

Enquanto alguns se entretêm a fingir que a situação a que o país chegou nada tem que ver com eles, outros, afirmando-se alternativa, caem no jogo medíocre das demagogias eleitorais, nas superficialidades políticas, nos "pintelhos" das disputas menores.

O país vai aceitar emprestado, uma barbaridade de dinheiro - para as suas necessidades mais urgentes (dizem-nos sem comprovarem), mas sobretudo, para as vorazes necessidades de lucro dos bancos e do capital financeiro em geral - que comprometerá o desenvolvimento nos próximos anos (ou décadas ?), amarrará as próximas gerações a sacrificios pelos quais não são responsáveis e que ninguém sabe como será pago ou sequer se será.

A questão fulcral, está mesmo a ver-se, tem que ver com a natureza do empréstimo e com o "contrato" (o famigerado memorando de compromisso da troika) que o regula. Tudo o indica, o malfadado empréstimo pode ser aparentado aos empréstimos que contraem os viciados no jogo: servem para pagar as dívidas, para comer umas pizzas para se manterem de pé e para novas apostas de sorte e azar, na esperança que um dia um tremendo jackpot os faça felizes.

Ou seja, este empréstimo não visa restabelecer a capacidade produtiva do país, não visa fazer evoluir os factores de produção, não visa modernizar e conferir eficácia aos sectores económicos de base nacional, enfim, não visa o desenvolvimento. É bem capaz de ser aquela última sardinha que deita o burro abaixo definitivamente...

De resto, se os partidos e os candidatos a deputados, se algum ou alguns deles, fossem capazes de olhar adiante e afastar dos olhos a espuma dos ruídos mediáticos, das demagogias baratas, das urgências panfletárias, talvez pudessem prestar atenção, reflectir e verter para os respectivos programas eleitorais, uma questão absolutamente estruturante para o século XXI em Portugal, a questão demográfica.

Quando os sucessivos estudos tornam evidente que "Mais de metade dos concelhos portugueses perdeu população ao longo da última década e em 82 municípios são mais as pessoas a sair do mercado de trabalho dos que as que entram". Quando se sublinha que "A perda da população (...) já se começa, a sentir. Mais de metade dos municípios (158) perderam pessoas nos últimos nove anos". Quando fica patente que "o envelhecimento da população afecta o sistema de protecção social porque há falta de pessoas no mercado de trabalho". Quando as projecções indicam a preocupante situação futura de que "Portugal arrisca-se a perder quatro milhões de habitantes até 2100", parece não restarem dúvidas que muitas das discussões, análises, propostas, promessas e slogans da campanha eleitoral em curso não passam de "pintelhos".

Desde logo a começar pelas questão introduzida nos debates públicos pelo autor da boçalidade púbica. Embora se perceba bem os interesses que defende e os objectivos que o senhor persegue, é completamente tola (se não senil), num quadro destes, a pretensão de reduzir catastróficamente a taxa social única.

Também numa evolução demográfica destas, pouco adianta que o Sr. Pinto de Sousa se arme em cavaleiro, arauto e protector do "estado social". Não haverá estado social que possa resistir a um quadro em que aumenta crescentemente a esperança de vida e se reduz fortemente a população activa. E não tem como resistir com as suas políticas de subordinação ao capital financeiro que tolhe e estrangula qualquer perspectiva de desenvolvimento económico. Se ao factor trabalho se extorquir cada vez mais, é elementar que não será por "graciosa" contribuição do factor capital que se terá um estado moderno, solidário e justo.

Esse é afinal, o desenho do tal acordo com a troika para o empréstimo de 78 mil milhões de euros. O FMI, a UE e o BCE, com o beneplácito, simpatia e entusiasmo de PS, PSD e CDS garroteam as oportunidades de recuperação de Portugal. Esse acordo, não apoia, não estimula, não define, não orienta qualquer política para que recuperemos autonomia. Pelo contrário, impõe restrições, cortes, limitações e depressão sem fim. São poucas as possibilidades de crescer económicamente, logo, são correspondentemente poucas as possibilidades de algum dia pagarmos a dívida.

Não estamos a ser resgatados, mas sim a ser tornados reféns.

Dispensa-se grande "iluminação" para se ver que não será possível inverter a tendência demográfica, quando as condições sociais e económicas são do calibre que estamos a (e vamos) viver. Na natureza, sempre as espécies adaptaram a sua reprodução às condições de sobrevivência. Se não há o que comer, são escassas as crias a nascer. O comportamento humano, neste particular, parece tender ao mesmo padrão. (Por comer entenda-se aqui não apenas o factor básico da alimentação, mas também os demais elementos essenciais da sobrevivência, como habitar, vestir, saúde, etc).

Uma das formas óbvias e por ventura mais rápidas de atacar o declínio demográfico (e as suas consequências todas), são consistentes, responsáveis e inteligentes políticas de imigração, mas em nenhum programa eleitoral vejo tal preocupação e uma visão estratégica. Uma vez mais, quem se refere ao tema, aborda-o meramente de um ponto de vista ideológico (quantas vezes hipocritamente), com superficialidade ou venenosamente. Neste último caso, por cálculo eleitoral explorando alguns veios racistas e xenóbos e manchas de ignorância que de novo vão alastrando.

Suspeito pois que "eles" continua a leste do que é estrutural, essencial, primordial.

1.5.11

VENDE-SE


De acordo com os últimos números a que tive acesso, os submarinos comprados por Portugal ascenderão ao valor de Mil Milhões de Euros. Dada a circunstância da imensa dívida pública, o aumento brutal do preço dos combustíveis, bem como o facto das Forças Armadas não disporem de meios económicos para suportarem a sua despesa corrente, logo, não haver dinheiro disponível para pôr os submarinos a navegar, creio que se impõe que, de imediato, os submarinos sejam postos à venda.

Se os vendermos ao preço de custo e enquanto ainda são novos, temos - como é evidente - um conjunto de vantagens:

1. Não desperdiçamos Mil Milhões de Euros;

2. Poupamos nos custos de manutenção e de guarnição;

3. Poupamos nos combustíveis e evitamos as importações que decorrem dos acréscimos de consumo provocado por estas bestas consumistas;

Por mim, faz-se uma OPV e apoiarei o Programa Eleitoral que tenha a coragem de os pôr à venda.

Não às privatizações das empresas nacionais lucrativas, Sim à venda dos submarinos!

26.3.11

Não tem de ser um fado, mas uma janela com horizonte

Como se fosse um fado, uma fatalidade, uma inevitabilidade, após a demissão do Governo, já o mundo dos opinadores, dos jornalistas e até dos chefes de estado e governo estrangeiros nos andam a "informar" que as únicas opções que temos para um futuro primeiro-ministro são Sócrates, ele mesmo, ou Passos Coelho.

Este último, já tenta dar-se ares de primeiro-ministro. O outro, procura mostrar-se determinado, em o vir a ser de novo. Ambos, dançam aquela já bafienta dança do agora vais tu, depois vou eu e assim sucessivamente.

Tudo se prepara, uma vez mais, para o grande (e já habitual) condicionamento. Para nos inclucar a todos a ideia de que não podemos mudar de rumo, nem de vida. Para nos fazer crer que temos "liberdade de escolha", mas ou escolhemos "rosa" ou escolhemos "laranja", ou escolhemos um rapazito ou um rapazote. Nada, nem ninguém mais, é hipótese.

Vão-nos dizendo subliminarmente que nem os "mercados", nem a Sra. Merkel, veriam isso com bons olhos, portanto, se estivermos com ideias peregrinas, o melhor é esquecermos e limitarmo-nos à gentinha em quem eles possam mandar.

Mas os portugueses já bem evidenciaram que querem outro caminho. Não apenas as manifestações de dia 12 e de dia 19 o mostraram acutilantemente, como não se viu derramada uma única lágrima, pela queda do malfadado governo Sócrates (excepto talvez pela sua rapaziada mais próxima ou aqueles cujo "lugar" na vida dependa do aparelho do PS) que tantos apoios recebeu de Passos Coelho para se manter firme em direcção ao abismo.

Mas esse outro caminho, esse outro horizonte, essas outras políticas que o país e os portugueses reclamam, não são óbvios, não estão patentes. Precisam desenhar-se e apresentar-se, para que emerja uma alternativa consistente e credível, com apoios vastos e diversificados.

Eu acho não apenas que essa alternativa é desejável, como acho que é possível. Acho mesmo mais, que é um imperativo que uma nova oportunidade política tenha lugar em Portugal.

Na minha opinião, uma tal alternativa, só pode ter berço na esquerda parlamentar e na esquerda sociológica em unidade conceptual e de acção. Do que se trata é de construir uma solução de salvação nacional democrática e de esquerda.

Onde o PCP, o BE, Os Verdes, os sectores de esquerda do PS, os muitos independentes e as gerações à rasca se possam entender, num programa mínimo de mudança, apontando novas direcções de empenho e impulso nacional, trazendo para a vida política activa e responsável novos protagonistas.

Uma solução, onde nenhum partido, nenhum militante, nenhum independente, tenha de prescindir da sua identidade, mas onde todos possam dar algo de si, para uma convergência indispensável e urgente. Onde os valores maiores que são o país e as pessoas tenham efectivamente primazia, em detrimento das diferenças político-ideológicas que possam reconhecer-se e manter-se.

Portugal precisa de uma mobilização nacional, de uma participação civíca sem precedentes, de uma opção governativa completamente diferente, de um programa político de efectiva modernização, de medidas firmes e honestas de recuperação dos sectores produtivos nacionais, de uma relação não submissa com a União Europeia, de se emancipar da canga dos "mercados", de se libertar da obssessão do defícit, de reconstruir o orgulho nacional e a confiança no futuro como nação livre e independente.

Estes propósitos só são possíveis à esquerda e as esquerdas têm, neste momento histórico, a obrigação política, ética e moral de oferecerem aos portugueses essa alternativa e essa oportunidade.

Não se entenderá, se uma vez mais, questões menores, tricas e intrigas, não permitam viabilizar o diálogo construtivo, o empenho político e a gestação de uma outra opção, bem diferente daquelas que através dos últimos 30 anos nos trouxeram até esta desgraçada situação em que nos encontramos.

Fazer falta de comparência agora, negar essa possibilidade, transformará a esquerda portuguesa não apenas em refractária, mas mesmo numa esquerda infiel.

Espero iniciativas e esforços sinceros, para que não se deixe o país resumido aos rosas e laranjas do nosso descontentamento e da nossa desgraça.

6.3.11

Não se paga a chantagistas, nem a terroristas

Um dos jornais semanários (se calhar outros também) noticia que "os juros da divida portuguesa, tanto a cinco como a dez anos, quase não desceram depois da reunião de 4ª feira entre Sócrates e Merkel, em Berlim".

Ou seja, quer o Governo preste ou não as mais inacreditáveis vassalagens, quer os portugueses façam ou não os maiores sacrificios, quer se acabem ou não com os mais civilizados direitos sociais, quer se façam ou não alterações legislativas que eliminem as conquistas de Abril, quer o Cavaco ganhe as eleições ou não, a chantagem não acaba mais.

Não lhes basta a pele. Querem o sangue e o tutano. Querem a dignidade e a essência. Na verdade, como o terrorismo, querem o caos, o pânico, o terror.

São assim, os endeusados e benfazejos "mercados". Terroristas da mais fina estirpe e da mais sofisticada elaboração.

E há, neste país, quem seja diligente e dedicado aliado dos "mercados", que se bate galharda e empenhadamente para que nos submetamos. Tudo fazem e dizem para que achemos normal, natural, inevitável, sermos espezinhados e vilipendiados. Não são apenas traidores de primeira grandeza. São gente sem escrupulos, vendilhões de baixo coturno, prostitutos de beira da estrada suburbana.

Qualquer estadista, melhor, qualquer político de mediana integridade, já teria assumido a atitude certa: não se negoceia com terroristas, não se aceitam chantagens.

Qualquer governo que respeitasse o seu país e o seu povo e, sobretudo, as gerações vindouras, não se deixava submeter a uma chantagem como a que está em curso.

Qualquer polícia no mundo sabe que nos casos de chantagem, pagar a primeira vez ao chantagista, significa ficar dependente, significa ter de aceder a exigências crescentes. A chantagem só acaba quando se anula o chantagista, quando é abatido ou preso.

O cobarde governo, o vassalo primeiro-ministro, os ministros "bananas", não conseguem reunir, entre todos, um mínimo de coragem, de dignidade, de ousadia, para enfrentarem a crise terrorista-chantagista como tem de ser enfrentada ?

Tende a coragem, senhores, de proclamar e executar: ou páram as exigências ou não se paga nada a ninguém!

Os salteadores internacionais, neste terrorista processo de tomada de reféns, têm actuado impunemente com a conivência dos ditos nossos "amigos" europeus e atlânticos. Já agrilhoaram a Grécia e a Irlanda e - como quaisquer malfeitores encartados - não vão parar até os fazerem parar.

E no crescendo de exigências chantagistas, o que se configura já, não é obter um resgate pontual, mas antes garantir uma dependência duradoura e absoluta de rendas altas e submissão perene. No fundo, do que se trata, é de uma futura relação de natureza feudal.

Alguém neste país vai ter de ter a coragem de não pagar resgates a chantagistas insaciáveis. Como qualquer cão raivoso, enquanto a mão lhes der de comer à boca, morderão cada vez mais.

2.1.11

Arrefecimento global


Permito-me (re)publicar um texto do Engº Demétrio Alves, que merece bem a nossa atenção e reflexão:




"A propaganda da teoria do aquecimento global hiberna quando o gelo chega, ou melhor, tirita de vergonha ao tornar-se público e notório que as temperaturas desceram para valores de há um século atrás em certas regiões europeias.

Bastará, contudo, que o sol desponte, para que os crentes no global warming voltem a atacar, alertando para o degelo do Ártico. E, se o calor escassear, não hesitam em socorrerem-se dos tornados e outros eventos meteorológicos mais radicais, que por vezes ocorrem, para agitarem o papão das alterações climáticas catastróficas.

Em grande parte da Europa, os aeroportos, as vias-férreas e as auto-estradas ficaram inoperacionais durante vários dias. Deveu-se isto a uma massa de ar gelado proveniente de latitudes árcticas, que chegou para congelar as pequenas ondas dos lagos dos parques londrinos e das fontes romanas. Ora isto é espantoso: – então, o ar congela as águas no continente europeu, mas, no próprio Árctico, de onde vem, não funciona?!

Com o presente artigo, pretende-se alertar os leitores para deriva ecoliberal, em que os grandes poderes políticos e económicos vêem incorrendo, apoiando-se nas discutíveis teorias do IPCC – Painel Intergovernamental para a Mudança Climática, que servem de partida para a os lucrativos negócios em torno da economia do carbono. De facto, muitas dezenas de cientistas em todo o mundo já demonstraram que a teoria antropogénica do aquecimento global não está confirmada cientificamente. É uma hipótese, nada mais.

Mas, então, e não obstante todas as dúvidas existentes, por que razão os centros de decisão política neoliberais foram tão apressados em adopta-la como doutrina oficial, apontando medidas correctivas para "salvar o mundo" numa panóplia de soluções mitigadoras? Qual é o interesse dos media ao reproduzirem acriticamente tudo o que é anunciado como uma Verdade inquestionável? E por que motivo o caudal informativo sobre a "catástrofe ambiental" convence os consumidores de notícias e, entre eles, pessoas bem informadas e inseridas em partidos de esquerda?

Os alarmes relativamente ao degelo no Árctico não são novos nem inéditos: muito antes dos satélites americanos terem "visto", em 2007, aquilo que disseram ser a evidencia do degelo no Ártico, os marinheiros, pescadores e navegadores contavam que, no Verão, o clima é muito instável naquelas latitudes, e ora há degelo, ora a água recongela, e é isso que torna a navegação muito perigosa naqueles mares. Os russos, naturalmente, conhecem bem aquelas águas.

Uma notícia publicada no The Washington Post, em 2 de Novembro de 1922, baseada num relatório governamental do United States Department of Commerce, com origem nas informações recolhidas pelo cônsul americano na Noruega, chamava a atenção para as alterações que estavam a verificar-se no Árctico: as águas aqueciam, os icebergs desapareciam, as focas ressentiam-se e os ursos polares estavam a desaparecer. Enfim, já então eram só desgraças!

Naquele tempo a repercussão internacional, pelo menos no mundo ocidental, foi enorme. Estava-se perante uma alteração drástica de toda a região do Árctico, dizia-se.

Em 1922, o dióxido de carbono (CO2) não estava na agenda de ninguém. As emissões antropogénicas deste gás que, note-se, não é um poluente, eram muitíssimo menores do que são no presente. Simplesmente havia, como hoje, outros mecanismos responsáveis pela evolução climática, mecanismos esses com muito mais importância do que o inocente CO2.

Naquela época, a Organização Mundial de Meteorologia anunciou que a temperatura média global cresceria a uma taxa próxima da que veio, de facto, a verificar-se muito mais tarde, no período de 1970 a 1990, e que deu oportunidade ao IPCC e seus seguidores para fazerem o grande alarido que conhecemos.

C02, O PSEUDO VILÃO UNIVERSAL

A situação do Árctico, com ou sem satélites meteorológicos, com ou sem IPCC, repete-se desde tempos imemoriais. A diferença é que, actualmente, há uma agenda ecoliberal, segundo a qual faça chuva ou faça sol, faça uma onda de calor ou uma vaga de frio, ou, até, sismos, erupções vulcânicas ou tsunamis, tudo é culpa do CO2.

Esclareçamos, com maior pormenor, a opinião crítica aqui registada e que se fundamenta nos trabalhos eruditos de muitos estudiosos destas matérias em todo o mundo.

As diversas actividades industriais, que se vêem intensificando desde a revolução industrial, numa primeira fase impulsionada pela utilização da máquina de vapor accionada a carvão, e, depois, pela electricidade (gerada a partir do potencial hídrico e do carvão) e pelo petróleo, colocam um severo problema de gestão de recursos naturais, e, entre eles, o do esgotamento a médio prazo do petróleo, cujo Pico produtivo estaremos a atingir na actualidade, e, mais tarde, de forma inevitável, do gás natural e do carvão. O próprio urânio, se consumido na produção de electricidade com as melhores tecnologias já hoje disponíveis, também se esgotará em menos de cem anos.

O ritmo de extracção dos recursos naturais e o crescendo das emissões poluentes resultantes da indústria e dos transportes, foram acelerados à medida que o modo de produção capitalista se impôs mundialmente. Este modo de produção, a par da sua força revolucionária inicial, é, por natureza, predatório e desregulado. E o seu poder adaptativo tem, inclusive, o condão de contaminar as alternativas políticas e económicas socialistas que se formaram em diversas regiões eurasiáticas, pressionando-as a "competir" com ele em vários tabuleiros e, assim, levando-as a não conseguirem originar um forma de produção industrial alternativa e sustentável. E, quando não vai lá através do binómio competição-sedução, recorre aos bloqueios ou à agressão bélica.

É possível que as diversas actividades humanas, que trazem sempre consigo diversos tipos de impactes – a desflorestação, a produção de metano pela agro-pecuária, a alteração dos solos, os resíduos produzidos pelos quase sete mil milhões de seres humanos, a emissão de CO2 industrial e nos transportes (e nas queimadas e incêndios) e de poluentes líquidos, sólidos e gasosos, etc., – contribuam, com uma percentagem significativa, para algumas das alterações climáticas que se fazem notar no planeta. No entanto, pode afirmar-se com segurança, que não é possível provar, ou imaginar sequer, um padrão de correlação causa-efeito solidamente estabelecido e indiscutível.

A caracterização e quantificação destas mudanças tem muitas incertezas e, por via disso, é difícil afirmar, com razoável segurança e seriedade, qual a data a partir da qual elas, as alterações climáticas, afectariam significativamente a geosfera, a biosfera, e a própria nooesfera. As várias estórias acerca das alterações climáticas são, para diversos cientistas (sistematicamente silenciados), muito duvidosas. É que há muitas causas para as mudanças climáticas periódicas que são mal conhecidas.

É razoável admitir, então, que, independentemente das incertezas, seria importante descarbonizar, desde já, a economia. Por uma questão de prudência.

O AUMENTO DAS TARIFAS DE ENERGIA ELÉCTRICA

Contudo, e porque isso significa gastar milhares de milhões de euros ou dólares, há que balancear com prudência os custos e os benefícios deste colossal investimento público e privado. Porque, ao gastarem-se estes recursos financeiros nesta frente, isso determina que eles rareiem em outros campos essenciais para a humanidade, como o combate às endemias, à fome e à iliteracia. Mais, é necessário perceber que a mobilização destes montantes financeiros significa, no actual modo de produção dominante, que os consumidores e utentes de bens e serviços essenciais acabam sempre a desembolsar muito mais. Em certos países, como Portugal, significaria perder competitividade económica, ou seja, aumentar o deficit e o desemprego. Por outro lado, as empresas que fornecem bens e serviços "livres de GEE", e que foram, entretanto, privatizadas, não prescindem dos seus lucros escandalosos. Veja-se, entre nós, o inqualificável caso do aumento das tarifas eléctricas, devido, entre outras causas, às eólicas e outras energias renováveis subsidiadas – cuja exploração aparece justificada pelas alterações climáticas –, e os pornográficos lucros das empresas produtoras, como a EDP, por exemplo.

Em suma: não é nada pacífico considerar que a causa principal do aquecimento do planeta – se esta tendência se mantiver – sejam as emissões antropogénicas de dióxido de carbono. No entanto, o poder político dominante, quer impor, de qualquer maneira, que essa seja a Única Verdade. Tudo o mais é inconveniente. Veja-se, por exemplo, a enorme trapalhada em que se envolveram alguns cientistas no chamado Climagate que ensombrou a COP15.

Há dúvidas essenciais sobre a ligação entre os GEE (Gases com efeito de estufa) e o aquecimento global. Designadamente aquelas que têm a ver com o referencial temporal que os cientistas utilizam para proceder àquela correlação - cerca de 150 anos de registos fiáveis -, e que muitos consideram insuficiente para estabelecer uma teoria sólida sobre as causas de aquecimento de um planeta que subsiste há milhares de anos. Esta dúvida foi, finalmente, assumida pela ONU, que, em Março de 2010, iniciou uma revisão das Conclusões do 4º Relatório do IPCC, precisamente na sequência das críticas aventadas antes e durante a COP15.

Em Outubro de 2008, uma das principais missões da dinamarquesa Connie Hedgaard, ministra para os assuntos da energia e clima no seu país, era a de preparar a Conferência Sobre Mudança Climática que se realizaria, sob a égide das Nações Unidas, em Dezembro de 2009, na cidade de Copenhaga.

Numa entrevista dada à revista Veja – edição 2081 – a ministra dava conta dos seus entusiasmos e preocupações e, perante uma questão colocada pelo jornalista (Qual é o principal indício do aquecimento global?), deu a seguinte resposta: – "Em 2004, quando fui nomeada ministra do Meio Ambiente, recebi a informação de que em trinta anos a fusão do gelo do Árctico iria permitir a navegação entre o Mar do Norte e o Oceano Pacífico. Decorreram apenas quatro anos e, no último mês, a passagem já ficou livre do gelo. Ou seja, a abertura ocorreu muito antes do previsto!"

Acontece, porém, que houve um navegador português, de nome David Melgueiro , que, ao serviço da Holanda, terá saído do Japão em Março de 1660, cruzou parte do Oceano Pacífico, passou no Estreito de Bering, atravessou todo o espaço oceânico árctico roçando, acima do arquipélago Svalbard, os 84º de latitude norte, descendo depois pelo espaço-canal entre a Islândia e a Irlanda, já no Atlântico, para chegar à foz do Douro em 1662.

E, que se saiba, O Pai Eterno – assim se chamava a embarcação usada por Melgueiro – não era um cruzador couraçado e também não é provável que tenha sido apoiado por quebra-gelos movido a energia nuclear. Pelo contrário, tratava-se de uma daquelas construções em madeira apenas um pouco mais evoluída do que as simples caravelas.

Se, em meados do séc. XVII, já não havia, naquelas tiritantes latitudes, gelo suficiente para travar uma frágil casca de noz, duas hipóteses se colocam: ou houve alguma nova glaciação entre os séculos XVII e o XX, ou, então, no tempo de Melgueiro, verificaram-se alterações climáticas suficientemente fortes para que se verificasse um significativo degelo, que, por certo, não se deveu, a ter acontecido, a gases com efeito de estufa de origem antropomórfica.

No que respeita à política de ambiente internacional no pós-Copenhaga (que foi um fiasco) é necessário reter que, sendo certo que a preservação da atmosfera terrestre deverá ser uma responsabilidade dos diversos países, é também claro que a influência que cada um desses países exerceu sobre a atmosfera ao longo da história – e a que ainda hoje exerce – é muito diferente, o que determina que aquela responsabilidade tenha de ser diferenciada.

Por outro lado, a definição da responsabilidade de cada país no esforço global de redução de emissões terá, pelas mesmas razões de justiça, que ter em conta os referenciais socioeconómicos das respectivas populações.

As emissões per capita da China são quatro vezes inferiores às dos EUA e cerca de metade da média das emissões da UE. A Índia tem cerca de um décimo das emissões médias da UE e vinte vezes menos do que as dos EUA. Neste momento, na Índia, há cerca de 500 milhões de pessoas sem acesso à electricidade.

São, assim, descabidas e injustas as tentativas de responsabilizar estes e outros países – os da ALBA, por exemplo – pelo fracasso de Copenhaga. Apenas a cegueira dos ecoliberais, empenhadíssimos nos chorudos negócios propiciados pelo mercado do carbono e pelo market enablement das renováveis, justifica a tentativa de impor restrições aos países e povos que se querem desenvolver mas que não podem dar-se ao luxo de consumir "carvão limpo" ou usar apenas energia eólica e solar para produzir electricidade (como se isso fosse viável).

"The planet has a fever ", afirmou Al Gore num discurso proferido no Congresso norte-americano, em Março de 2007, incluído na sua cruzada contra as alterações climáticas. Já se percebeu, contudo, que este fantástico paladino ambiental tem vários negócios "ambientalmente correctos", todos eles na linha do preconizado no 4º Relatório do IPCC, que veio estabelecer, apressadamente, um nexo entre a industrialização e os hábitos de consumo de uma sociedade movida a carbono e o aquecimento global.

A mitigação dos efeitos do CO2 é urgente diz o IPCC, e isso passaria pela imediata redução das emissões de GEE (Protocolo de Quioto), através da introdução de tecnologias mais limpas, na implementação de técnicas que propiciem eficiência energética e na progressiva reconversão das fontes de energia fóssil densamente poluentes por fontes renováveis tendencialmente limpas. É, não haja dúvida, uma música linda! Teríamos, assim, o soft way referido por Lovins na sua obra The energy controversy (1977), em que se recorreria de forma intensiva a novas formas de produção de energia (electricidade) através do vento, do sol e das marés.

Vivemos, na actualidade, mergulhados na perversa omnipresença de um debate centrado na questão dos GEE, em particular do CO2, preterindo outros assuntos muito mais relevantes como sejam, a protecção da biodiversidade, o acesso à água, a luta contra a desertificação, para além da já citada necessidade de combater a fome, as epidemias, as desigualdades e a iliteracia. Mas, estas questões, que não geram economias específicas e negócios lucrativos, não são, por isso, prioridades para a UE e EUA. Além disso, não serviriam para atacar os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China).

A ditadura das alterações climáticas desencadeou, sem dúvida, um movimento de reconversão da produção energética (electricidade) a partir do voluntarismo da Europa. Em Portugal, o governo diz que são os campeões deste movimento.

Apesar da simpatia que merecem as fontes renováveis utilizadas para produzir electricidade, são muito grandes as dúvidas sobre a justeza e sustentabilidade desta opção, nomeadamente quando se pretende fazer acreditar que elas seriam suficientes, por si só, para sustentarem os consumos mundiais crescentes.

A herança de Quioto no plano do incentivo às energias renováveis tornou-se numa moda pujante e inquestionada pelos media. Tanto no plano da geração de electricidade, como ao nível da produção de biocombustíveis para alimentar as frotas rodoviárias e marítimas, as tecnologias de aproveitamento de fontes de energia renovável proliferam e desafiam a imaginação.

Porém, esta reconversão energética pós-moderna e ecoliberal não só agiganta brutalmente os custos financeiros dos investimentos iniciais, como, de facto, avoluma os impactos sociais e ambientais.

A CONVERSA BEATA DAS RENOVÁVEIS

O aproveitamento de fontes de energia renováveis implica investimentos iniciais vultuosos porque incluem custos "frescos" de investigação científica e experimentação, significam a construção de miríades de pequenas centrais electroprodutoras, a extensa reconversão agrícola ou silvícola para a produção de biocombustíveis, a extensão e reforço da rede de transporte e distribuição eléctrica bidireccional e, ainda, o investimento em centrais convencionais (térmicas ou hidroeléctricas) devido ao carácter intermitente e aleatório das fontes renováveis (sol, vento, ondas), custos que se reflectem na factura energética. Os consumidores, previamente mentalizados que devem contribuir para o esforço contra o aquecimento global, não têm outro remédio do que pagar mais. E ainda ficam agradecidos por puderem colaborar na "missão" de combate ao aquecimento global!

Não há dúvida que é um esquema genial, este, o que foi montado pelos ecoliberais! Muitos deles andaram, há trinta anos atrás, na campanha pela liberalização e privatização das empresas energéticas, dizendo que, com isso, a energia seria mais barata.

Cumpre dizer que estas "novas" fontes de energia (conhecidas há centenas de anos) são devoradoras de espaço, são intermitentes e não são inócuas, nem do ponto de vista ambiental, nem do ponto de vista social. Basta citar que a desflorestação da Amazónia, para propiciar a cultura da cana-de-açúcar e outras matérias-primas bioenergéticas, constitui uma emenda pior que o soneto. E que a utilização do milho para produzir álcool fez disparar os seus preços, determinando o aumento insustentável do custo da alimentação dos povos da América Central.

É interessante registar que toda esta questão baralhou os referenciais político-ideológicos: há uma direita neoliberal que diz que a responsabilidade desta novel orientação é de uma designada "esquerda ecotópica", formada pelos partidos socialistas (sociais-democratas, trabalhistas, democratas) coligada aos movimentos ecologistas, que seria caracterizada por uma ideologia pós-moderna, anti-científica, e com muitos interesses económicos misturados. Chega-se mesmo a defender que esta "esquerda" teria muito em comum com o pensamento mágico, elitista e utópico do nacional-socialismo, só não sendo, por enquanto, nacionalista e violenta.

Por outro lado, a esquerda científica (marxista) correlaciona esta política ambiental, centrada nas teses do IPCC, com as lideranças neoliberais que, assim, ensaiariam uma manobra de diversão para refrescar o sistema capitalista.

De facto, os dois pontos de vista podem ser concatenados se considerarmos que, hoje em dia, os partidos "socialistas" se tornaram nos pontas de lança de um neoliberalismo assanhado que está, de facto, a provocar um terrível arrefecimento global socioeconómico."