29.4.14

«Educação é o que fica quando esquecemos tudo o que aprendemos na escola!»

eb1-ji
Convoco a célebre frase de Albert Einstein, «Educação é o que fica quando esquecemos tudo o que aprendemos na escola!» para mote de uma reflexão  que reputo importante e urgente ser feita, sobre a educação e, sobretudo, o papel a desempenhar pelas autarquias locais no denominado "processo educativo".

Num quadro em que o governo, por um lado por iniciativa própria e, por outro, instigado pela santa trindade da austeridade (UE, FMI e BCE), procura desbaratar o sistema de ensino público, com todas as medidas bem conhecidas e que não elencarei por risco de exaustão, fazendo tábua rasa do princípio constitucional: "
O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida colectiva.", parece-me indispensável, tirar a cabeça de fora do vórtice dos problemas e desafios quotidianos, para (re)colocar sob perspectiva, o papel relevante a desempenhar pelas Câmaras Municipais.
 
Há que ter presente que também o Poder Local Democrático tem sido alvo da nefasta actuação do governo que, a pretexto da crise e das "dificuldades económicas do país", reduz recursos, prepreta intromissões na sua autonomia, lança anátemas generalizadores sobre os autarcas e tenta por todos os meios transferir responsabilidades do poder central para o poder local, sem dotação dos meios adequados de exercício de novas competências e/ou atribuições.

No fundo, avulta um caminho em que as autarquias locais vão sendo insistente e reiteradamente chamadas a apoiar as escolas, o que vais desde a cedência de terrenos municipais para a construção das ditas, até acorrer à intensificação dos problemas sociais, procurando debelar problemas de fome entre as crianças, intervindo para promover a inclusão e um vasto acervo de outras máterias que paulatinamente, subreptíciamente, se vão sedimentando como competências, atribuições e responsabilidades das Câmaras Municipais e não o são.
 
Em Loures, nos últimos 12 anos, foram assumidas responsabilidades substanciais, que transformaram o Munícipio num mero "prestador de serviços" barato para os governos e caro para o erário municipal e os municípes. Só se percebe o caminho trilhado à luz de uma deriva de carácter populista e eleitoralista, que acabou por deixar uma canga económico-financeira e compromissos que não podem agora ser revertidos, com brevidade.

Impõe-se, por isso, uma reflexão serena, objectiva e fria, sobre o percurso daqui para a frente. Interpretar a herança e as suas consequências, incorporar os preceitos constitucionais e os valores que afirmam e definir o novo papel estratégico a desempenhar pela Câmara Municipal, adequando a estrutura e os recursos municipais.
 
Talvez, nesta fase, não faça mal nenhum lembrar que os destinatários das políticas municipais de educação só podem ser as famílias e, principalmente os alunos. Todos os demais agentes educativos são essenciais ao processo e ao sistema, mas a razão de ser de tudo são, e só podem, ser os alunos.
 
Alunos, a quem deve ser proporcionada igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida colectiva.
 
Pode admitir-se que o Município participe - na medida das suas parcas possibilidades - no apoio económico às famílias e alunos em ordem à superação das desigualdades económicas, mas importa ter presente a todo o tempo que não incumbe às Câmaras Municipais a política geral do país, as políticas económicas, a promoção do emprego, a política de impostos, habitação, saúde, educação, etc.etc..
 
Não pode aceitar-se assim, que se remeta para as autarquias o papel de correcção das malfadadas, injustas e insensatas políticas governativas. Como nenhuma autarquia deveria aceitar transformar-se no "agente assitencialista" do estado central, desempenhando um papel aparentado a uma santa casa da misericórdia do respectivo Concelho.
 
Uma coisa é dar a resposta de proximidade que os casos sociais e de exclusão aguda requerem, outra coisa completamente diferente, é assumir que para a autarquia devem drenar - com a respectiva desresponsabilização da Segurança Social e demais organismos da administração central com competências próprias e meios correspondentes - todas as "entorses" sociais, para as quais não há, objectivamente, competências e recursos económicos e técnicos para as enfrentar, na Câmara Municipal.
 
De resto, até valerá a pena reflectir sobre se tais casos sociais prementes não deveriam ser acompanhados antes pelos serviços especializados da Autarquia (Área de Intervenção Social), do que pelos serviços de Educação. Os limitados recursos de que se dispõe, talvez deva conduzir preferencialmente ao desenvolvimento de uma articulação harmoniosa dos serviços municipais e das suas intervenções, onde cada serviço exerça a sua especialidade, prescindindo-se de que cada área de intervenção se dote de todas as valências para dar resposta à variedade de matérias que a confrontam no dia-a-dia. Em exemplos que talvez se elucidem melhor: todos os serviços municipais devem ter um sector de obras ? E um sector de transportes ? E um sector de Aprovisionamentos ?
 
Feito o parentesis, retomemos a questão central, sobre a reflexão a que se apela para o rumo das políticas municipais de educação.
 
Interrogamo-nos se a opção certa não deveria ser a de - para além da execução das competências transferidas pelos governos e para o exercício das quais se percepcionam os meios - implementar orientações e políticas que promovam o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida colectiva.
 
Confesso que é esta a dimensão, respigada do artº 73º da CRP, que me parece merecedora do principal enfoque da acção autárquica na área da Educação. Contribuir com determinação e dinâmica para a promoção da cidadania, da participação democrática e, por essa via, no impulso da igualdade de oportunidades. Afinal, colocar os alunos no centro das políticas, permitindo-lhes que fiquem com a "tal coisa", quando esquecem tudo o que aprenderam na escola.
 
Oxála, este modesto contributo, possa encorajar os especialistas locais e os responsáveis políticos a deter-se sobre a matéria.