27.8.07

Costa, Costa, Autarca à parte.


O Dr. António Costa, actual Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, é tido como um valor sólido na política nacional e, sobretudo, no Partido Socialista, onde já desempenhou quase todas as missões importantes.

Num breve aparte, direi que lhe falta ser secretário-geral do PS e primeiro-ministro e de acordo com as más línguas, foi recentemente empurrado por Sócrates para a candidatura à Câmara de Lisboa, para que não estivesse no Governo a fazer sombra (e quem sabe se a cama, politicamente falando, bem entendido) ao próprio Sócrates, que gosta pouco que lhe façam frente e que hajam outros a destacar-se tanto ou mais que ele.


Creio que o Dr. António Costa nunca fez mais nada de substantivo a não ser política, mas pela idade que tem e a respeitabilidade e projecção já alcançada, parece ser um político com futuro.

Eu, como noutros escritos já publicados e postados, recentemente e quando António Costa foi candidato à Câmara de Loures, tenho tido e tenho suscitado as maiores dúvidas em relação às suas qualidades, sensibilidade e visão para ser autarca.

Bem se sabe que nem todos temos jeito para as mesmas coisas, se não, seriamos todos Cristianos Ronaldos, de finta estonteante, o centro das atenções mediáticas, candidatos a "melhor do mundo", um must para as mulheres, como sonhamos ser e nos esforçamos todos os dias.

E cá para mim, o Dr. António Costa não tem jeito para ser autarca. Quer na sua primeira incursão autárquica, reforçada de burros e ferraris, quer na conquista de Lisboa, beneficiando da fragilidade dos adversários, o Dr. Costa-autarca perdeu-se em promessas e compromissos insignificantes, incoerentes, insuficientes, incompletos e insatisfatórios. Se era muito mau para Loures, na Capital é péssimo.

Se de Loures saiu muito rapidamente, porque não ganhou e as suas propostas não tinham profundidade, aceitação e consistência, já em Lisboa, estará pelo menos dois anos e quererá estar os quatro seguintes ou pelo menos a deixar caminho aberto ao PS. Por isso, está a tentar executar as suas promessazitas de trazer por casa, como a do encerramento ao trânsito, aos Domingos, do Terreiro do Paço.

Mas será que eu discordo do encerramento do Terreiro do Paço ao trânsito aos Domingos? Nem pensar, é claro que não! É uma boa medida. A ideia é boa e apoiável. Só que é nestas coisas que se revelam os autarcas de dimensão... e os outros.

Desde logo pergunto, porquê apenas ao Domingo ? Nem ao menos no fim de semana ? É bem sinónimo da timidez, da falta de convicção, da incerteza, do medo de desagradar. De resto, não poderia ser de outra maneira, já que não há qualquer outra medida complementar que crie alternativa. Trata-se de encerrar um pedaço da Cidade, pura e simplesmente.

Se ao menos houvesse um esquema de aluguer ou empréstimo de bicicletas como em tantas capitais europeias. Se ao menos houvessem transportes colectivos alternativos e frequentes. Se ao menos estivesse a desenvolver-se uma eco-via na margem do Tejo, ligando o Parque das Nações a Algés.

Não, nada. Fecha-se um bocado da Cidade e pronto, passamos a ser felizes, amigos do ambiente, passamos a divertir-nos muito (ao Domingo), passamos a ter uma capital modernaça, mais arejada, menos ruidosa, taramtantam, tarantantam...

Não, nada disso. Ontem, Domingo, o encerramento avulso de parte da Cidade resultou apenas que os muitos (e foram mesmo muitos) automobilistas - vindos de norte - que foram apanhados de surpresa pelo corte de vias e acessos, se aglomeraram na Avenida Infante D. Henrique, foram empurrados para dentro da Rua da Alfândega, forçados a subir a Rua da Misericórdia ou a espalhar-se por ruelas, estreitas, sinuosas e bloqueadas.

O resultado prático foi muito barulho, buzinadelas, acelerações despropositadas, maior contaminação atmosférica, crispações, discussões, aborrecimentos. Pelo que vi, nada nem ninguém ganhou com a medida, com a precipitação da medida, com a demogogia que a medida envolve.

Pois não me parece que este seja o caminho para Lisboa. Pelo contrário, isto são barreiras, apenas barreiras, para se viver a Cidade e para viver na Cidade. E a progressiva desertificação é se calhar o maior problema de Lisboa, problema cuja complexidade não se resolve nem desta forma, nem com a intensificação urbanística dos anéis de crescimento de Lisboa.

Se o novo Presidente da Câmara de Lisboa, não perceber isto rapidamente e não inflectir o caminho, confirma-se a minha suspeita: o Dr. António Costa não tem sensibilidade, não tem visão, não tem capacidade para ser autarca, o que não lhe belisca nenhuma das outras qualidades que lhe reconhecem.

1.8.07

Ensaio de Lucidez

Mão amiga fez-me chegar um recorte do jornal Expresso de 9 de Janeiro de 1982. Trata-se de um trabalho jornalístico de Leonor Pinhão que, a propósito da vinda a Sacavém do então primodivisionário Rio Ave Futebol Clube para um jogo da Taça de Portugal, fala com 3 dirigentes do Sacavenense da época. Já lá vão portanto 25 anos.

O título da peça jornalística, sintetiza bem, o tom e conteúdo da entrevista daqueles dirigentes, cujos nomes saliento: António Cardoso, José Manuel Tavares e José Teixeira.


As certezas, problematizações, questionamentos e dúvidas que emergem desta, aparentemente, entrevista colectiva são, do meu ponto de vista, um verdadeiro ensaio de lucidez. Os anos e o cúmulo de erros prosseguidos, sobretudo nos últimos anos da vida do Sacavenense, são o melhor atestado da pertinência das reflexões que alguns dos dirigentes faziam. Sublinho, para quem desconheça, todos eles Vice-Presidentes, portanto, necessariamente bem conhecedores da realidade do Clube e dos clubes da sua igualha.


Readquire sentido, invocar o problema da "viabilidade económico-desportiva" então analisada, porque apesar de na altura o Clube "não estar afundado em dívidas", já se dizia que "a sobrevivência do Sacavenense passa por uma profunda remodelação das suas estruturas." Ao que se acrescentava que "há já uma comissão a estudar uma proposta que será discutida em Assembleia Geral".


O certo é que, 25 anos depois deste ensaio de lucidez, o Sacavenense está afogado em dívidas, a sua estrutura não foi profundamente remodelada e a sobrevivência está em causa como nunca esteve. É mais um Clube e sobretudo uma referência nacional que está moribunda, gravemente comprometida.

Pretendo pois salientar que avisos não faltaram e com tempo e, hoje, ao que parece, ao que se sabe, o Sport Grupo Sacavenense, enfrenta aquela que é talvez a sua pior crise de sempre. Triste ironia: resistente exemplar à ditadura, corre o risco de baquear e sucumbir em plena democracia, num regime e tempos em que seria de esperar que os Clubes e o Movimento Associativo em geral tivessem outra dinâmica, pujança e apoios.

Não daqueles apoios, como os últimos que tem tido que o empurraram em direcção ao abismo. Não os apoios miríficos e virtuais da gestão das expectativas de que seria carregado em ombros, à custa de dinheiros públicos, até ao mais alto píncaro do futebol nacional (dislate só comparável aquele que proclama que a futura Capital do país será Loures). Não certamente os apoios que se traduzem em meras mudanças de relvados.

Só desejo e espero que os associados do Sacavenense fazendo jus ao passado e justiça ao futuro da Instituição tenham a argúcia, a inteligência e o sentido de oportunidade de não embarcarem em novos aventureirismos, de não alinharem com oportunismos, de não fazerem opções inconsequentes e não aceitarem tutelas paternalistas e caritativas.

O Sacavenense pode e deve ter um projecto de futuro. Acredito que encontrará o seu caminho e que finalmente tenha lugar a profunda remodelação das suas estruturas (e acrescento eu, dos seus objectivos). Só isso, pode proporcionar a superação das inúmeras dificuldades que vai ter de enfrentar nos tempos mais próximos.

O imenso problema que está colocado é também, talvez, a sua melhor oportunidade regeneradora. Haja lucidez!