17.6.14

Os três equívocos de Bernardino


Bernardino Soares, actual Presidente da Câmara Municipal de Loures, venceu as eleições, entre outras razões, porque foi capaz de concitar a expectativa de mudança que largas camadas da população do Concelho almejavam.

Passados cerca de 9 meses - tempo biológico humano de gestação - uma importante parte das expectativas e da mudança, estão em franca concretização.

1. Voltou o rigor, transparência e seriedade às contas municipais;
2. Acabaram-se os gastos sumptuários e despropositados;
3. Regressa paulatinamente a credibilidade do Município junto de fornecedores e municípes;
4. Estuda-se e concebem-se projectos e planos de sustentabilidade económico-financeira, de poupança de recursos;
5. Resolveu-se o diferendo com Odivelas sobre o futuro dos Serviços Municipalizados que ameaçavam arrastar para problemas sem fim o Município;
6. Recupera-se a frota municipal, instalações e equipamentos do estado de degradação a que chegaram;
 
Contudo, permito-me considerar que neste período de uma nova e determinada gestão da coisa pública municipal, persistem ou instalaram-se três equívocos (não vejo que outra coisa chamar). A saber:
 
Primeiro equívoco: A Comunicação.
Nos ultimos 12 anos a comunicação do Município foi de péssima qualidade e, em particular, não respeitou e não foi orientada para os municípes. Não explicava, omitia, confundia, mistificava.
 
Com a presente administração municipal nota-se uma vontade de comunicar melhor, é evidente o esforço de transparência, o próprio Presidente é uma mais-valia preciosa no plano comunicativo, mas a herança é tão pesada, a competência é tão questionável e os meios tão pouco propícios a uma boa comunicação, que confrange e impressiona não terem sido tomadas medidas determinadas, até agora, para esta área fundamental de interacção com as populações.

O site municipal é talvez o paradigma do estado de coisas. É um inacreditável labirinto de informação desactualizada, onde é praticamente impossível usar como instrumento de informação e tratamento (pelos cidadãos) de qualquer que seja o assunto com a Câmara Municipal. Não há hierarquia coerente, nem segmentação apropriada da informação. Uma comunicação institucional que diga respeito a todos os municípes, tem o mesmo padrão de tratamento que o aniversário da colectividade ou o Seminário para especialistas.

Segundo equívoco: A Estrutura Municipal.
É bem sabido, por toda a gente, que o PS modelou a estrutura municipal aos seus propósitos e objectivos e promoveu e nomeou ou induziu as chefias com critérios que, em geral, não decorriam da capacidade, competência e dedicação à causa pública, antes assentavam na cumplicidade partidária, na lealdade de grupo ou na mera submissão.
 
É surpreendente, à luz de uma ética de serviço público, a propósito de uma gestão de rigor e transparência, no quadro de uma administração tendencialmente favorável ao aproveitamento do potencial criativo e de dedicação dos trabalhadores, no âmbito de políticas de mudança, que praticamente nada tenha mudado ainda.
 
As incapacidades, entropias, incompetências e até os boicotes de carácter activo, omissivo ou abstencionista vão, impunemente, gerando mal estar, desconfiança, desapontamento e desperdicio.
 
Sem uma estrutura municipal competente, activa, empenhada, motivada, interessada na promoção da mudança, consciente do papel público da sua actividade profissional, dificilmente poderá um Executivo Municipal aplicar o seu programa, eleitoralmente sufragado e legitimamente escolhido.

Terceiro equívoco: Suportes à boa administração municipal
O Presidente tem dado o exemplo. Conduz-se a si próprio, nas suas inúmeras deslocações pelo Município, para o sem número de iniciativas, visitas, acções institucionais, etc. em que participa todos os dias. Não é acompanhado por uma imensa "corte" de serviçais e pajens que nos tinhamos habituado a ver num passado recente. É uma atitude meritória, séria e reveladora de uma conduta pessoal e política singular.
 
Mas, a distância que cavou entre o exagero e ostentação anterior o ascetismo e frugalidade actual é, à primeira vista chocante e em sentido contrário excessiva também.
Nenhum cânone político pode exigir que o Presidente e Vereadores (que têm funções executivas e muitos horários e exigências a cumprir) prescindam de todo e qualquer instrumento de apoio à sua acção, eficiência e boa presença.
 
Contemos uma breve história hipotética: Imagine-se que o Presidente irá estar presente numa iniciativa em que participam muitos municípes, num local, como por exemplo Moscavide. O evento tem hora marcada, muita gente à espera, mas o Presidente não comparece à hora prevista, porque anda a percorrer Moscavide na busca de um lugar para estacionar a viatura, o que encontra apenas na outra ponta da vila. Vê-se obrigado a percorrer a pé, atrasado, uma distância considerável, está calor ao nível do que tem estado nos ultimos dias, estuga o passo para minimizar o atraso. Finalmente chega, atrasado, transpirado, incomodado, necessitado de apresentar desculpas. Se foi prevenido, procurou antes moedas para os parcómetros. Se não foi, mais uma preocupação adicional...
 
É vantajosa, adequada e respeitosa para com os municípes a opção de se conduzir a si próprio ? Duvido.

Será lembrado pela rigorosa poupança ou por ter chegado atrasado ?
 
Se continuarmos a história, podemos presumir que vários municípes, antes e depois dos momentos oficiais, se lhe dirigem, apresentando as mais variadas temáticas, convites, reclamações, alertas, preocupações. O Presidente (ou Vereador se for o caso) está sózinho, sem se fazer acompanhar por ninguém da sua equipa de apoio. Tem uma memória prodigiosa ou "ripa" de um bloco de notas para registar os dados de interesse, detalhes, etc. ? É normal e eficiente ? Duvido.
 
Os municípes vão recordar o Presidente (ou o Vereador) pela memória, pelo bloco notas ou pelo facto de estar sózinho ?
 
Estou em crer que os municípes apreciam a modéstia, humildade, rigor e capacidade de trabalho e resistência do seu Presidente, mas também tenho quase a certeza que não apreciam vê-lo sózinho, despojado e sem os mais elementares instrumentos de suporte à sua responsabilidade institucional.
 
Resolver estas questões, será sanar - do meu ponto de vista - os equívocos que permanecem e abrir o caminho a uma gestão desejada, saudável, reconhecida, motivadora e bem sucedida.
 
Os nove meses na natural gestação biológica humana passaram, agora é preciso dar à luz e tratar da criança, sempre sujeita às ameaças naturais e artificiais da vida.



 

6.6.14

Habitação Municipal ?

 
O artigo 65º da Constituição da República Portuguesa esclarece na sua alínea b) que “Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais”. Ou seja, cabe à Administração Central a promoção da habitação económica e social, obtendo a colaboração do poder local e não o contrário.

Ora, esta circunstância, não despicienda, obriga a uma reflexão global sobre a conduta do Estado e à definição de políticas nas autarquias locais. Bem se sabe que o Estado Central tem alienado as suas responsabilidades em descarado arrepio das orientações constitucionais e tem sido o poder local ou regional a corresponder às necessidades sociais.
Segundo o Inquérito à Caracterização da Habitação Social 2012 do INE, “As despesas associadas ao parque de habitação social, relacionadas com obras de conservação e/ou reabilitação e os encargos fixos, totalizaram, em 2012, cerca de 57 milhões de euros”, assinalando ainda que “Relativamente a rendas médias praticadas no âmbito da habitação social em 2011, verifica-se que o valor médio de renda nacional, independente do tipo de contrato associado, foi cerca de 58€/mês”.
Estes factos, conjugados, significam, uma “canga” económica e social substancial para as autarquias locais, não se podendo ignorar e esquecer o conjunto de compromissos decorrentes do chamado “PER – Plano de Erradicação de Barracas” do governo de Cavaco Silva (1993) que ainda hoje estão em saneamento.
O estado de coisas, exige das autarquias locais um upgrade das suas políticas e a definição de um novo rumo. Em Loures, que particularmente nos interessa, após uma década de uma visão instrumental da problemática, conformismo e políticas sociais de inspiração caritativa, requer-se a definição de um caminho, de objectivos, de procedimentos, que redefinam a acção política do Município e a tornem transparente, perceptível, responsável e sustentável.
Por mim, duvido da vocação de proprietário imobiliário dos Municípios, questiono que lhe sejam imputadas todas as responsabilidades sociais, interrogo-me sobre a capacidade económica de dar resposta, per si, às novas e crescentes necessidades sociais de alojamento, inquieta-me que possam sobrevir visões de construção de novos “bairros sociais”, desintegrados e desintegradores.
Há trabalho a fazer, inquestionavelmente.

publicado em Notícias de Loures, nº 2, Junho 2014, pág 7

4.6.14

Mera questão de interpretação ?

Como se sabe, não sou jurista, advogado ou juíz. Apenas um cidadão que pelas circunstâncias da vida pessoal, profissional, política e social se vai confrontando, como os demais portugueses, com uma das mais profícuas actividades legislativas do mundo.

No nosso país, há a pretensão de resolver os problemas gerais e particulares de uma forma simples rápida e liminar, com um, de três expedientes: 1) jogando no euromilhões; 2) regando com dinheiro (de preferência público) ; 3) legislando.

Como o euromilhões sai a muito poucos e dinheiro não há, legisla-se às pargas. Semeiam-se leis e decretos a propósito de tudo e de nada e todos os dias, num vertiginoso caleidoscópio legal, para uns anos mais tarde, se produzirem então uns "códigos" que almejam "compilar" todos os "diplomas avulsos", códigos que no momento em que são aprovados, são imediatamente sujeitos a "revisão" por novas leis e decretos-lei e decretos-regulamentares e..., e... sabe-se lá que mais tipos de diploma. Tudo avulso !

Acontece, porém, dizem os especialistas e verificam os comuns mortais, que na esmagadora maioria dos casos, o frenesim legislativo - como todos os frenesins, de resto - nos conduz a peças de má qualidade, a contradições, confusões, "zonas brancas, cinzentas ou obscuras", "becos sem saída" e outras enormidades. A uma produção legislativa que apenas se alimenta a si mesma, com todas as consequências preversas que facilmente se imagina a que nos leva a mediocridade.

São muitas e diversas as áreas da nossa vasta paleta técnico-jurídica onde o problema é substancial. Destaco aqui uma, por respeitar às pessoas, por ter consequências na nossa vida colectiva próxima e por deter algum conhecimento genérico.

Refiro-me à legislação aplicável ao mundo do trabalho, aos direitos e deveres dos trabalhadores, em concreto, da administração local.

Não procedo, evidentemente, à sua análise. Pelo que antes disse, já ficou feita genéricamente e expressa a minha opinião. Apenas acrescento que é uma legislação sempre apressada, partidária e ideologicamente comandada, quase sempre incompetente e geradora de problemas de esforçada superação e exigindo criatividade q.b.

E, desejo, neste ponto, dar relevo ao seguinte: Ao mesmo tempo que é incompetente e contraditória, má, portanto, a parafernália legal, abre caminho a diversas interpretações, dá espaço para inúmeros pareceres e concede oportunidade a - se for isso o desejado - a debates intermináveis.

É aqui - no caso das autarquias locais - que cabe a actuação do pessoal político, tomando (ou não) as decisões políticas pertinentes e traçando as orientações apropriadas a uma adequada gestão dos recursos humanos. Talvez se possam tipificar as possíveis abordagens nas seguintes linhas principais de actuação:

1. Assobiando para o lado, remetendo para o "pessoal técnico" a interpretação e a formulação da decisão, demarcando-se da sua responsabilidade política;

2. Procurando assimilar o "espírito" do diploma e cavalgando o propósito ideológico, aplicar acríticamente as disposições (ou o que se pensa serem) em prejuízo dos trabalhadores e dos seus direitos, em detrimento de uma equilibrada gestão, na denegação da motivação e empenho do pessoal ao serviço da comunidade (recordo aqui, como exemplo, a aplicação das 40 horas semanais no Município de Loures);

ou,

3. Conduzindo a uma reflexão técnica aprofundada de cada diploma, percebendo-lhe os objectivos, os efeitos, as qualidades e os defeitos e decidir as metodologias de aplicação, com o maior benefício alcançável e o menor prejuízo possível para os direitos dos trabalhadores e a boa governação municipal.

O que procuro relevar é que, neste domínio, não deve haver lugar a tibiezas, não há espaço para ambiguidades (já basta as da legislação aplicável), não pode conceder-se a responsabilidade política, não pode transigir-se na autoridade moral, não pode hipotecar-se os direitos dos trabalhadores, não pode fraquejar-se na qualidade do serviço público.

Estas matérias não são mera questão de interpretação. São uma montra onde os príncipios estão expostos !